Determinismo geográfico
É a concepção primeiro a qual o meio ambiente define ou influencia fortemente a fisiologia e a psicologia humana, de modo que seria possível explicar a história dos povos em função das relações de causa e efeito que se estabeleceriam na interação natureza/homem. Mas, como esse tipo de pensamento já existe desde a Antiguidade Clássica, o mais correto é designá-lo pela expressão determinismo ambiental, posto que a geografia só se constituiu como ciência no século XIX.
No processo de formação da geografia científica, o determinismo ambiental foi utilizado como perspectiva teórico-metodológica, de início, por alguns seguidores de Friedrich Ratzel, o que acabou por lhe render a fama de pai do determinismo geográfico.
Foi o caso da geógrafa norte-americana Ellen Churchill Semple (aluna de Ratzel na Universidade de Leipzig), que atribuía os preceitos da religião budista à suposta "lassidão" que seria própria das populações que habitam regiões quentes e úmidas.[1] Outros discípulos do determinismo afirmavam que um meio natural mais hostil proporcionaria um maior nível de desenvolvimento ao exigir um alto grau de organização social para suportar todas as contrariedades impostas pela natureza. Seria esse o caso dos povos que habitam regiões onde os invernos são muito rigorosos, já que isso os obrigaria a trabalhar e armazenar muita comida para atravessar essa estação.
Desse modo, haveria uma explicação para o desenvolvimento das sociedades europeias, que não tiveram grandes dificuldades em subjugar os povos tropicais, mais indolentes e atrasados, teoria que justificou o expansionismo neocolonial entre o fim do século XIX e o início do século XX. Essas idéias seriam, mais tarde, aproveitadas pelos cientistas da Alemanha Nazista.
Apesar disso, seria errado concluir que o determinismo ambiental é uma ideologia criada pelas classes dominantes europeias para justificar o colonialismo. Na verdade, a tese de que as condições ambientais determinam em larga medida os processos históricos era muito bem aceita entre teóricos ligados à esquerda política. Esse é o exemplo de Karl Marx, segundo o qual o capitalismo surgiu na Europa por causa das condições edáficas do continente, conforme a seguinte passagem:
- "Uma natureza pródiga demais 'retém o homem pela mão como uma criança sob tutela'; ela o impede de se desenvolver ao não fazer com que seu desenvolvimento seja uma necessidade de natureza. A pátria do capital não se encontra sob o clima dos trópicos, em meio a uma vegetação luxuriante, mas na zona temperada. Não é a diversidade absoluta do solo, mas sobretudo a diversidade de suas qualidades químicas, de sua composição geológica, de sua configuração física, e a variedade de seus produtos naturais que formam a base natural da divisão social do trabalho e que excitam o homem, em razão das condições multiformes ao meio em que se encontra situado, a multiplicar suas necessidades, suas faculdades, seus meios e modos de trabalho" [2].
E ainda há outros exemplos disso, como o geógrafo anarquista Élisée Reclus - cujas afirmações acerca das influências da natureza sobre o homem eram mais categóricas do que as de Ratzel[3] - e o teórico marxista Gueorgui Plekhanov, que influenciou o também marxista Caio Prado Júnior. De fato, tanto Plekhanov quanto Prado Júnior afirmavam que a economia deriva das condições naturais. Esse é um dos pressupostos utilizados por Prado Júnior para estabelecer a diferença entre colônias de povoamento e colônias de exploração, sendo as primeiras próprias das regiões de clima temperado da América do Norte e as segundas localizadas nas regiões de clima tropical[4].
Determinismo ambiental hoje |
O estudo das influências do ambiente sobre a história continua atual, como se observa, a exemplo, nos textos de Jared Diamond[5]. O historiador Ian Morris, por sua vez, defende a tese de que a hegemonia da Europa e dos Estados Unidos nos últimos quinhentos anos não se deve a nenhuma característica racial, cultural, política ou econômica dos povos dessas áreas, mas tão-somente às vantagens oferecidas pelo seu meio geográfico em relação ao contexto histórico desse período. Segundo esse autor, a geografia "[...] molda a história, mas não de maneira óbvia: determina por que sociedades em algumas partes do mundo se desenvolvem tão mais rápido do que outras; mas, ao mesmo tempo, o grau em que as sociedades se desenvolveram determina o peso da geografia". Como exemplo, ele cita a posição da Grã-Bretanha no Oceano Atlântico, a qual manteve os povos dessas ilhas atrasados em relação às civilizações que floresceram com base na agricultura há 4 mil anos, mas representou uma enorme vantagem do século XVII em diante, por ampliar o raio de ação da marinha britânica[6].
Ver também |
- Possibilismo (geografia)
Referências
↑ Luis Lopes Diniz Filho. Fundamentos epistemológicos da geografia. 1. ed. Curitiba: IBPEX, 2009 (Coleção Metodologia do Ensino de História e Geografia, v.6), p. 72
↑ Karl Marx. Das kapital, p. 1006, citado por Luciana Lima Martins. A natureza da paisagem em Friedrich Ratzel. In: V Congresso Brasileiro de Geógrafos, 1994. Curitiba. Resumos. Curitiba: AGB, 1994
↑ Paul Claval. Evolución de la geografía humana. Barcelona: Oikos-tau, 1974, p. 54
↑ Jorge Caldeira. História do Brasil com empreendedores. 1. ed. São Paulo: Mameluco, 2009, p. 131
↑ Luis Lopes Diniz Filho. Fundamentos epistemológicos da geografia. 1. ed. Curitiba: IBPEX, 2009 (Coleção Metodologia do Ensino de História e Geografia, v.6), p. 108
↑ Ian Morris. O triunfo do Ocidente. História Viva, São Paulo, ano VIII, n. 90, mar. 2011, p. 56